quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

O sem nome

                                             

"Falo pouco pois não
sou de dar indiretas
Me arrependo do que digo
em frases incertas
Se eu tento ser direto, o medo me ataca
sem poder nada fazer" (Biquini Cavadão)





Ele anda calmamente. Seus pés não estão agitados, parecem deslizar pelas calçadas em mais uma caminhada matinal.

Na rua, em meio à multidão, tenta se desvencilhar. Não gosta daquela agitação toda. Pessoas correndo para todos os lados, suadas e de olho no relógio. Nessas horas, pensa como gostaria de estar no conforto de seu quarto, vazio e silencioso.

Ainda junto ao meio-fio, ouve um assovio. Não olha. "Certamente, não deve ser comigo"- pensa ele.

Mais adiante, quase na esquina de seu destino, sente que é observado. Desconfia. Abaixa a cabeça. Não consegue manter um contato visual por muito tempo.

Finalmente, chega em casa. Entra no elevador e cumprimenta os demais moradores. Bem baixinho, como sempre, parece sussurar. Odeia conversar com as pessoas no elevador. Esboça um leve sorriso e se lembra de seus tempos de estudante. "Função fática"-repetia sua professora durante as aulas.

O elevador chega no seu andar. Abrir a porta de seu apartamento é como entrar em um novo mundo, isolado de tudo e de todos. O seu mundo.

Vai até seu escritório. Logo, percebe um recado na secretária eletrônica. Estranha. "Quem iria querer falar comigo?"- pensa. Prefere não retornar a ligação. "Mais tarde resolvo isso". É sempre a desculpa. A verdade é que esse tempo nunca chega. Não gosta de falar ao telefone.

Começa de vez os seus afazeres. Tem de se preparar para a confraternização de fim de ano da empresa, terminar seu relatório, comprar o presente de amigo oculto, "ufa"-exclama ele. Se questiona o porquê - de mais uma vez- participar disso. Torce para que na hora da entrega dos presentes não tenha que descrever quem tirou.
Torce também para que seu chefe não o chame para fazer o discurso de encerramento diante de seus colegas. Não gosta de falar em público. Não gosta de ser o centro das atenções. Só de imaginar a situação, já fica nervoso. O suor escorre pelo seu rosto. Decide aumentar a intensidade do ar-condicionado.

Mais uma vez, lembra de outras situações parecidas que já vivenciou. Algumas até constrangedoras. Como naquela festa que não conhecia ninguém e preferiu ficar sentado num canto. Ou ainda no dia em que passava muito mal no trabalho, mas não queria pedir ajuda.

Só de pensar, fica incomodado. Vai até a geladeira e toma um gole d'água. Aproveita para parar na sala no caminho de volta e observar a multidão lá embaixo. Passa horas de seus dia nessa simples atividade. É como se estivesse diante de dois mundos completamente distintos: um marcado pelo ritmo acelerado  da pessoas na rua e o seu, gélido, solitário e reflexivo.

                                             


Mas afinal, o que ele está fazendo ali mesmo?


11 comentários:

  1. Não sei o motivo, mas seus textos geralmente me remetem a alguma letra dos Doors...

    "People are strange when you're a stranger
    Faces look ugly when you're alone
    Women seem wicked when you're unwanted
    Streets are uneven when you're down"

    ResponderExcluir
  2. Muito boa essa crônica.
    Gosto muito de bons escritores, eu acho que você
    já sabe disso, mas vale afirmar: Você tem um talento incrível.
    Parabéns!

    ResponderExcluir
  3. Adorei seu texto. Claro que é pq vc tem talento mas tb pq me identifiquei demais com ele.

    Um abraço!

    @franpaganini

    ResponderExcluir
  4. Gente, obrigada pelo carinho de vcs. Fico mt feliz q tenham gostado e se identificado. Sem palavras, mesmo.

    ResponderExcluir
  5. Gente, aproveito para lembrar q o blog tbm twitter. @letrasrelicario Posts sobre os mais diversos assuntos. Mas estou começando ainda...

    ResponderExcluir
  6. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  7. nossa eu adorei, vi no twitter e fiquei interessada em ler, parabéns!

    ResponderExcluir
  8. Ai, excluí meu comentário sem querer hahah, enfim, muito bom! =)

    ResponderExcluir
  9. Peguei uma frase linda e postei no twitter, parabens!

    ResponderExcluir
  10. Adorei, Maria Clara!
    Nem sabia que você escrevei, mas foi uma ótima surpresa.
    Gostei muito muito mesmo! Parabéns!

    ResponderExcluir