quinta-feira, 30 de junho de 2011

Sobre estrelas e cometas

"Amigo é quem te socorre e não quem tem pena de ti" (Thomas Fuller)

Certa vez, durante uma aula fui apresentada ao texto "As estrelas e os cometas". Na época, achei-o interessante, mas não liguei muito. Hoje, mais de cinco anos depois, esse texto me veio à cabeça. Não sei bem explicar o porquê.

Segundo o autor do texto, "há pessoas estrelas e pessoas cometas. Os cometas passam. apenas são lembrados pelas datas que passam e que retornam." Todavia, "passam anos, milhões de anos e as estrelas permanecem". Acho que essa metáfora também pode ser estendida às relações pessoais, principalmente à amizade. Ao longo de nossa vida, conhecemos milhares de pessoas. Umas só de vista, outras mais próximas. Mas nem todas são nossos "amigos", assim como o quer o facebook e demais redes sociais. Não temos centenas de amigos. Apenas uns poucos e bons.



A primeira pessoa a chamar minha atenção para essa distinção entre amigos e colegas foi uma professora de inglês. Um dia, diante de uma classe lotada, ela afirmou que quando nos formássemos, (o que ainda estava um  pouco distante na época) poucas seriam as pessoas que continuariam se falando, mantendo contato. "Umas 3 ou 4"- disse ela. Naquela tarde os alunos a contestaram. Hoje, acredito que ela tenha razão.

Colegas temos aos montes: são os "conhecidos". Podem ser ótimas companhias e garantia de risos. Já os amigos verdadeiros são poucos. Não passam de cinco. Esses, por sua vez, nem sempre podem estar ao nosso lado fisicamente. Contudo, sempre se importam conosco. Antes mesmo de tropeçar e escorregar, eles já estão com os braços estendidos para nos escorarmos.


Muitas vezes, confundimos colegas com amigos. A amizade, na verdade, tem uma base mais sólida e duradoura, que não se constrói de um dia para o outro. Para que ela se edifique é fundamental ter confiança no outro. Até porque uma hora a realidade aparece, as máscaras caem e os "amigos" revelam-se meros colegas.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Nando Reis

Vamos falar de música? Pensei em escrever um pouco sobre o tipo de música que gosto: o pop-rock nacional. Dentro desse estilo, resolvi falar sobre o Nando Reis, a quem considero um dos maiores compositores de sua geração.

Nando Reis não era um artista muito conhecido, embora eu já gostasse do seu trabalho. Nando não é aquele tipo de cantor-celebridade que estoura de repente e vende milhões de discos. Pelo contrário, vende poucos discos, mas tem um público fiel.



Nando é diferente. A começar pelos cabelos ruivos. Já cursou até matemática, embora hoje sua vida seja dedicada às músicas e as palavras, sendo inclusive colunista de um jornal de São Paulo.

Nando começou a ficar famoso com o Titãs. Mesmo no meio de tantos integrantes, já se destacava. Paralelamente, também compunha canções para alguns amigos, como Cássia Eller e Samuel Rosa.  Muitas composições de autoria de Nando ficaram famosas nas vozes de amigos.

Saindo do Titãs, Nando Reis grava novos discos com sua banda chamada "Os infernais". Percebe-se uma mudança no seu estilo de compor, que passa a ser mais romântico e reflexivo; diferentemente da época de Titãs, com "Bichos escrotos", por exemplo. Começa então a ficar mais conhecido do público em geral, principalmente com suas músicas que viram trilhas de novelas.

Resolvi fazer então um top 10, daquelas que são- na minha opinião- as melhores músicas de Nando Reis:

Cegos do castelo




Dois rios




É uma partida de futebol




Espatódea




N




Não vou me adaptar




O segundo sol




Por onde andei




Relicário




Resposta



quinta-feira, 16 de junho de 2011

Estalar de dedos

A inspiração para essa crônica veio após assistir o documentário Nelson Freire (2003), de João Moreira Salles. Para quem não conhece, recomendo.



"Dai-me o melhor piano de Europa, mas com um auditório que não quer ou não sente comigo o que executo, e perderei todo o gosto pela execução" (Mozart)

Desde pequeno, já se notava que ele não era uma simples criança. Tinha um talento fora do comum para a música. Ainda novo, ganhou seu primeiro piano e começou a frequentar as aulas com uma senhora francesa.

Não se sabe ao certo quem descobriu o seu talento. Fato é que, crescendo em meio a uma família de artistas,  logo se interessou pelo assunto. Passou toda sua infância tocando, treinando em um canto da sala. Inúmeras partituras foram "consumidas" nesse tempo. A cada dia que se passava, sua exigência crescia. Queria tocar ainda melhor.



A infância passou, assim como a adolescência. Mas ele não conseguia largar seu piano. Era como um companheiro, um refúgio seguro. Com o seu piano, ele podia desabafar e descarregar seus momentos de tensão. Bastava tocar nas teclas que em pouco tempo a música vinha e o acalmava.

Logo ele se tornou um pianista famoso. Fez concertos pelo mundo todo e conquistou uma legião de fãs. Contudo, ainda sentia um certo incômodo em sua vida. Toda vez que se apresentava para um público muito grande, sentia-se inseguro. Um certo mal-estar o consumia.

Mesmo com toda a fama, sentia-se vazio. Dedicava tanto tempo a profissão que não tinha tempo para mais nada. Sobravam fãs, mas faltavam amigos.


Passaram-se quarenta anos e sua vida continuava a mesma, sempre ao lado de seu piano. Quem o visse de longe, em seu novo apartamento ou em um ensaio, veria um sujeito quieto, tímido e solitário. Mas para ele seu piano bastava. Era seu verdadeiro amigo.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Nas entrelinhas

Hoje inauguro um novo tipo de texto aqui no blog. Trata-se de interpretações de letras de algumas canções. Eu sempre tive particular interesse em entender o que o compositor escreve. Muitas vezes cantamos uma música e sua letra é tão profunda que não sabemos exatamente sobre o que estamos falando.



Por vezes, fui cética ao interpretar alguns textos. Não acreditava que a intenção do autor ao escrever era exatamente aquela pregada pelas professoras de Português nas aulas de interpretação de texto. Acredito que, às vezes, o compositor simplesmente escreve, sem pensar muito.  Não se deve "forçar a barra" para tentar extrair interpretações que não existem.

Entretanto, essa canção que apresento hoje eu só fui compreender seu verdadeiro sentido após uma aula de Português. Já conhecia a música e gostava, mas nunca tinha prestado muita atenção à letra.

Daniel na cova dos leões

Aquele gosto amargo do teu corpo
Ficou na minha boca por mais tempo.
De amargo, então salgado ficou doce,
Assim que o teu cheiro forte e lento
Fez casa nos meus braços e ainda leve,
Forte, cego e tenso, fez saber
Que ainda era muito e muito pouco.
Faço nosso o meu segredo mais sincero
E desafio o instinto dissonante.
A insegurança não me ataca quando erro
E o teu momento passa a ser o meu instante.
E o teu medo de ter medo de ter medo
Não faz da minha força confusão.
Teu corpo é meu espelho e em ti navego
E eu sei que a tua correnteza não tem direção.
Mas, tão certo quanto o erro de ser barco
A motor e insistir em usar os remos,

É o mal que a água faz quando se afoga
E o salva-vidas não está lá porque não vemos


Antes de qualquer coisa, é necessário esclarecer: quem é esse Daniel que está no título e não é citado uma única vez na canção?


O título faz uma intertextualidade com uma passagem bíblica. Daniel era um servo na Babilônia muito religioso. O Rei Dario tinha uma simpatia por Daniel, considerando-o umas das pessoas mais confiáveis e responsáveis da região.

A amizade de Daniel com Dario incomodava muitas pessoas, que viam nesse último um "protegido do rei". Esses "inimigos" criam então uma lei- aprovada por Dario- que proíbe os moradores de pedirem qualquer coisa a alguém que não o rei.

Daniel é pego "desrespeitando" essa lei, por estar rezando ao seu Deus. Como punição a essa "violação", Daniel é mandado a uma cova de leões para ser devorado, ainda que a contragosto de Dario.

Voltando à letra, então...



O título representa uma situação limite, difícil como a que Daniel enfrentou.

As palavras em negrito também merecem atenção e podem ser explicadas:

dissonante: não está afinado com o que se espera
meu espelho: seu corpo é igual ao meu

As demais, que estão também em negrito, são fundamentais para compreender seu final.

Assim, percebe-se que há uma dificuldade do autor: ele é um tipo de pessoa, mas insiste em ser outra. Ele tem um amor diferente, que "desafia o instinto dissonante". Ele é um barco a motor, mas prefere usar os remos.

Esse último verso seria, para muitos, a própria declaração da homossexualidade de Renato Russo. Uma forma diferente de expressar sua intimidade, não a escancarando, mas deixando-a subentendida, nas entrelinhas dos versos. Renato não cai na mesmice. Talvez por isso ele seja tão bom.  Faz uma bela canção e uma metáfora para ilustrar seus sentimentos. Cabe ao ouvinte entendê-la.



OBS: Como já disse ao longo do post, essa interpretação só foi possível graças à ajuda de uma professora. Obrigada, Regina Carvalho!

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Mirante


Eles são umas das partes do corpo que mais inspiram nossos autores. Dos "olhos de ressaca" e de "cigana oblíqua e dissimulada" de Capitu até "os olhos verdes na cor esperança" da amada de Gonçalves Dias.

Há quem diga que os olhos são reflexos da alma. Talvez tenham razão. Alguns olhos brilham quando se está feliz. Outros se fecham quando alguém parte ou sentimos dor. Mesmo sem falar uma só palavra, um homem pode expressar suas vontades por um simples olhar.

Os  olhos também refletem a diversidade. A beleza da diferença em irís castanhas, azuis, cinzas, pretas e verdes.


Os olhos também são figuras de linguagem. Metonímias para a visão. Metáforas para se fazer enxergar.

Eles que identificam o amor platônico. Aquele em que o amor é impossível e que as imagens do amado ficam gravadas na retina.

São eles que registram as imagens e fazem o coração "sentir". (O que os olhos não veem, o coração não sente).

Olhos que são encobertos para que a balança da justiça mantenha-se equlibrada.


Olhos ligados a tradições e crendices que uso para me proteger.

Não fechem os olhos dos poetas!