Quatro dias sem notícias. Tim Lopes saiu da sede da TV Globo no Jardim Botânico para gravar uma matéria em um baile funk na Vila Cruzeiro no dia 2 de junho e não voltou mais. A morte, no entanto, só foi confirmada no dia 5 quando a polícia prendeu dois bandidos de uma quadrilha que presenciara a morte do jornalista.
“A morte do Tim foi algo muito traumático. Já existiam outros casos (de jornalistas mortos durante o trabalho), mas nenhum deles era tão famoso”, lembra Marcelo Moreira, então chefe de reportagem de Tim Lopes e um dos primeiros a receber a notícia.
Marcelo Moreira esteve no auditório da CPM (Central de Produções Multimídias) da UFRJ no último sábado (dia 17) conversando com um grupo de 30 alunos sobre sua experiência profissional e sua atuação em organizações que investem e trabalham para a segurança de repórteres em todo o mundo.
A morte brutal de um colega durante o exercício da profissão acendeu em Marcelo um sinal amarelo. Um grupo de jornalistas começou a discutir os rumos da profissão em uma lista na internet e em encontros pelo Brasil. Em uma dessas reuniões, foi criada em dezembro de 2002, em São Paulo, a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo).
Um dos fundadores da associação e atual presidente, Marcelo explica a atuação da Abraji. “Não somos um sindicato nem produzimos reportagens. Estamos unidos em torno de objetivos comuns: fazer um bom jornalismo e garantir técnicas melhores de investigação”.
Atualmente, Marcelo também é um dos membros do quadro executivo do Insi (International News Safety Institute), organização fundada em 2003 que realiza treinamentos para repórteres que atuam em áreas de risco ou em cidades violentas.
O primeiro treinamento do instituto no Brasil foi realizado no ano de 2006 com cerca de 100 jornalistas, 50 em São Paulo e 50 no Rio de Janeiro. “Nunca o Insi tinha treinado tantos jornalistas de uma só vez”, conta Marcelo. A demanda pelo curso em São Paulo cresceu, principalmente, depois que o repórter Guilherme Portanova foi sequestrado por integrantes do PCC (Primeiro Comando da Capital) enquanto lanchava.
Desde então, outros dois cursos foram ministrados, um em 2010 e outro dois anos depois. No último, 12 repórteres tiveram aulas para que, no futuro, se tornem treinadores e não seja mais necessário importar a força de trabalho estrangeira.
Em sua página na web, o Insi mantém atualizado um ranking com a lista de jornalistas mortos enquanto trabalhavam. Em 2013, o Brasil ocupa a 6ª colocação na lista com três vítimas fatais . “A situação no Brasil é ruim. Síria, Egito, Somália, Índia e Paquistão têm mais jornalistas mortos, mas estão em guerra civil”, explica Marcelo.
A realidade das mortes no Brasil, no entanto, é bem diferente da de Tim Lopes. “O caso dele foge do perfil do jornalista que é assassinado em nosso país. Todos os bandidos foram presos e condenados”. Marcelo lembra ainda que, na maior parte dos casos, os repórteres assassinados trabalham em cidades do interior, em veículos menores. “Os crimes não ganham espaço na mídia e a investigação não é feita como nas grandes cidades”, lamenta Moreira.
Como editor chefe do RJTV 2ª edição, Marcelo Moreira também está preocupado com as agressões que os colegas de profissão vêm sofrendo durante a cobertura dos protestos e admite que muitos repórteres têm medo de cobrir os eventos. A preocupação é tamanha que a emissora já cogita a hipótese de não cobrir as manifestações. “Não estamos mais mandando repórteres”, admite.
Marcelo ressalta que o objetivo da emissora é sempre informar de maneira correta, mas vê obstáculos nas atitudes agressivas de alguns manifestantes. “Se a gente parar de cobrir como vai ser? A informação vai ser dada por terceiros e a sociedade acaba sendo prejudicada”.
quarta-feira, 18 de dezembro de 2013
Entrevista com Andrew Jennings
Com 46 anos de carreira, o repórter Andrew
Jennings revelou bastidores de entidades esportivas, como o COI (Comitê
Olímpico Internacional) e a Fifa (Federação Internacional de
Futebol). Bem-humorado e atencioso, o jornalista escocês está sempre
aberto para dar entrevistas e ensinar os caminhos da profissão. Nesta
entrevista, o autor de “Jogo Sujo – o Mundo Secreto da Fifa” fala sobre sua
trajetória profissional, comenta o significado dos protestos de junho e dá
dicas para jornalistas iniciantes começarem suas próprias investigações.
Como e quando surgiu seu interesse
por investigar esportes?
Na realidade, eu nunca investiguei esportes e não
sei nada sobre esportes. Eu sou investigador de corrupção. Ao longo dos anos,
fiz diversas investigações sobre corrupção e, inclusive, fui repórter de guerra
em 1989, quando Beirute estava sendo bombardeada.
Eu já fazia muita coisa, mas o que me inspirou foi
a ideia de um livro sobre a corrupção no COI (Comitê Olímpico Internacional),
que promove as Olimpíadas. Quando eu estava investigando o COI, e fiz isso por
um longo tempo, surgiram outros escândalos. Mas foi preciso tempo para perceber
que tinha algo muito errado com a FIFA. Então, quando um editor do London Daily
Mail me pediu para investigar a FIFA, eu falei não, porque teria que viajar por
todo o mundo. Mas, de qualquer jeito, acabei entrando nisso.
Então, não são matérias de esportes. Se me mandarem
cobrir um jogo, tenho certeza de que vou voltar para a redação com o placar
errado. Eu não estou interessado no jogo, estou interessado no fato de que
estão roubando a paixão do povo e no montante de dinheiro que isso rende.
Você escreveu um texto sobre os protestos durante a Copa das
Confederações,
em julho. O que você achou deles?
Eu acho que, no futuro, os brasileiros vão olhar
para esse momento como o renascimento da democracia. Ali, o povo disse não à
roubalheira. Eram pessoas da classe média, que estudaram, e pagam impostos. Muitas
dessas pessoas vão subir na carreira em alguns anos e vão se lembrar de terem
sido atacadas com gás lacrimogênio.
Meio milhão de pessoas nas ruas de São Paulo, uma
semana antes do início da Copa das Confederações! O que vocês fizeram foi
gritar: “vá para casa, Fifa, bando de ladrões! Nós não te queremos aqui!”. E
vocês devem fazer isso de novo quando a Fifa for se reunir, uma semana antes da
Copa do Mundo. Não deixem essa reunião acontecer. Sem violência, sem
bombas, sem pedras. Só vaias.
Vocês amam o seu futebol, mas não vão dar seu
dinheiro para um bando de corruptos. Vocês não precisam da Copa do Mundo,
porque não tem nenhum benefício em ser sede. Vocês podem só jogar nela. Os
brasileiros vão ver os jogos pela TV, de qualquer jeito, porque não vão conseguir
ingressos.
Qual o papel do jornalismo
investigativo nesses protestos populares?
Os amigos brasileiros com quem eu converso,
ativistas e jornalistas, acham que essas manifestações vão se intensificar de
novo. Esses protestos mostram que os brasileiros por todo o país estão com
raiva. Isso pode ser o renascimento da democracia, porque a democracia não
voltou realmente depois de 1985. Vocês têm uma ilusão de democracia, com
políticos corruptos em Brasília. Mas a Copa das Confederações acendeu uma faísca.
As pessoas disseram “Estamos fartos desses
políticos!”, foram para as ruas e os representantes ficaram seriamente
preocupados. Essas gigantescas manifestações mostraram que é possível frear o
[Joseph] Blatter.
O povo brasileiro não é mais estúpido, como a FIFA
pensava. E isso se deve muito aos bons repórteres que vocês têm e que fizeram
trabalhos investigativos maravilhosos, como Rodrigo Mattos e Lúcio de Castro.
Mas eu não posso fazer um balanço equilibrado da cobertura da mídia brasileira
nesses momentos, porque não tenho acesso a tudo que é produzido, já que não
falo português.
Os jornalistas têm que unir suas forças para
investigar os contratos, desvios de verbas e onde os gastos foram
superfaturados. Porque tem sempre um homem por trás. São os homens que assinam
os contratos. Quem pagou para que entrasse no projeto da Copa um estádio na
Amazônia? Quem assinou os documentos? A Amazônia é um lugar maravilhoso, mas
todos sabem que não precisa daquele estádio de futebol, assim como Brasília
também não precisa. Os políticos locais, ou quem quer que tenha assinado os
papéis, estes são os alvos.
Então, os jornalistas devem mostrar
ao público que a FIFA está explorando o Brasil?
Eu vou falar claramente. A FIFA não poderia
explorar o Brasil se o grupo em volta do [Ricardo] Teixeira não tivessem
tornado isso possível. Eles roubaram tanto que precisaram ser recompensados
pela FIFA, com a Copa do Mundo.
Como foi a eleição do Brasil para
sede da Copa do Mundo FIFA em 2014?
O Brasil não conseguiu a Copa porque é bom de
futebol, isso é totalmente desimportante. Em minha opinião, o Brasil conseguiu
a Copa do Mundo porque o Teixeira achou que conseguia roubar esse país cego,
construindo estádios e inflando preços.
O crime de Teixeira não é só o roubo de dinheiro, é
o fato de que ele abusou da paixão nacional. O ambiente era favorável para
roubar o Brasil, então ele persuadiu a FIFA, principalmente o Blatter, dizendo
que todos eram “estúpidos pelo futebol” aqui. Eles perceberam que podiam roubar
do futebol. Não há nada errado em ser um fã de futebol. Ter paixões é um
direito. Mas ele explorou isso e saiu impune por tanto tempo…
Você acha que uma mudança na
presidência da FIFA pode melhorar os problemas de corrupção?
Platini seria melhor do que o Blatter, mas ele
ainda não se manifestou, porque está tentando manter os votos dos corruptos.
Meu próximo livro será sobre isso, então não vou
falar mais para vocês (risos). Mas ele deve sair antes da Copa do Mundo. Então,
os brasileiros poderão saber mais detalhes sobre como foram ferrados.
Além de ser uma forma de a FIFA e das
pessoas no entorno da organização ganharem dinheiro, as empresas brasileiras
também estão lucrando. Você acha que existe algum tipo de acordo entre essas
partes?
Ah, sim. Teixeira está por trás dos contratos, não
é? Se um dos homens mais sujos da política e da economia brasileiras está por
trás dos contratos, você tem que escrutinar esses documentos. Tem que perguntar
a essas companhias o porquê. Mas não vá perguntar para os chefes, eles vão
inventar alguma desculpa para explicar porque a obra ficou mais cara. Procurar
os funcionários que definiram os custos do contrato, os profissionais que
estavam envolvidos na criação dos estádios e perguntar quais foram os custos. E
descobrir por que vocês vão ter esses estádios dos quais não precisam. Isso é
uma novidade para estrangeiros. Aqui a infraestrutura e o transporte são tão
ruins que os brasileiros nem vão para os estádios. Então, eles deveriam
construir a rua primeiro, depois o estádio.
Você acha que existe algum jeito de
diminuir a corrupção nos esportes, mais especificamente no Brasil?
É necessário democratizar a CBF (Confederação
Brasileira de Futebol). Eu acho que o Romário está fazendo uma Lei de Esportes
que deve ser boa. Ele está cercado por um bom time, então as propostas devem
ser boas.
Diferente do Bebeto e do Ronaldo, ele está
criticando. É bom que ele ganhou muito dinheiro com o futebol e, por isso, é
difícil que seja comprado. Quando as manifestações começaram, ele foi o
primeiro a apoiá-las publicamente. E, sendo das favelas, ele sabe que os
ingressos não estão lá, mesmo que lá estejam as pessoas que pagam os impostos
que pagam a Copa do Mundo. Eu não estou dizendo que ele é um líder, mas a voz
dele, como uma estrela do futebol, ajuda muito. Porque ele é uma voz genuína
dentro do esporte que vocês amam e todos sabem que não pode ser comprado.
Também não podem tirar os mil gols dele, dizendo “você ganhou a Copa de 1994,
quem se importa?” (risos). Ele é muito interessante porque está fazendo a coisa
certa e é intocável.
Se vocês acharem que ele não está indo longe o
suficiente, façam lobby com ele. Ele provavelmente vai escutar. Se vocês
apontarem coisas interessantes, ele pode ouvir e incluir nas propostas. Vocês
vão protestar e os congressistas vão tentar bloquear as propostas, e aí ele vai
listar quem está sendo contra. Aí os jornalistas de cada local vão investigar
porque esses políticos estão votando contra. É importante acompanhar quem vota
no que.
É difícil ter acesso ao documento
para fazer investigações mais profundas porque precisamos acionar as
assessorias de imprensa. Como contornar isso?
É uma longa batalha, você não vai ganhar rápido.
Assim como vocês têm uma batalha por democracia no Brasil. O que você faz é:
pesquisar cuidadosamente, elaborar as suas perguntas. Não 20, cinco já são
suficientes. E devem ser escritas cuidadosamente, sem abusos. Isso leva tempo,
não precisa se apressar.
Aí quando eles te mostrarem o dedo, você publica o
e-mail em pdf com a resposta deles. Não importa se eles não falarem com você,
jornalista, o problema é que eles não estão falando com o povo! Nós somos os
veículos, nós apenas transmitimos. Isso é o que eu chamo de “Guerra de
E-mails”: pensem bem nas suas perguntas.
Depois faça de novo alguns meses depois. Eles não
gostam de ver isso publicado. Mas é o que nós podemos fazer.
Às vezes, os assessores não gostam,
nos questionam porque estamos fazendo aquelas perguntas. Como lidar com isso?
É esse o ponto da “Guerra de E-mails”. Não fale “eu
tentei falar com o presidente da empresa e ele não respondeu”. Isso é muito
chato (imita um bocejo). Não temos como saber por que. Mas se você fizer a sua
pesquisa e definir as perguntas que o público gostaria de fazer, eles vão ler e
dizer “sim, era isso que eu queria saber. E eles não respondem!”. Então, você
usa o seu e-mail como prova. Por isso é sempre bom pedir para eles responderem
o e-mail, em vez de falar só por telefone. Bater neles não é a solução, e sim,
expô-los. E assim você expõe os vilões com sucesso.
Isso pode acontecer sistematicamente aqui e ali.
Vocês têm que aproveitar o fato de que esse é um país grande e existem ótimos
jornalistas fora do eixo Rio-São Paulo.
Que dicas você daria para alguém que
está começando uma carreira no jornalismo investigativo?
Comece pequeno. Investigando um time local, a
câmara municipal da sua cidade, uma empresa pequena que está fazendo alguma
coisa errada, como por exemplo, poluir o meio ambiente. Pedreiros não começam
construindo um grande prédio, mas uma casa pequena. Eles aprendam a técnica de
por tijolo em cima de tijolo, eles erram. É o desenvolvimento de uma
habilidade, assim como no jornalismo. Você aprende onde achar os tijolos, como
organizá-los.
Procure uma história escandalosa e investigue,
aprenda como fazer, inclusive com os erros. Converse com jornalistas
experientes. Eles vão dizer “não, não faça isso. Pergunte assim”. E assim você
constrói suas habilidades. Eu quero me aposentar, eu tenho 70 anos! Então vão
lá, levantem da cadeira, comecem a trabalhar e me tirem de cena! Quero ouvir:
“obrigada, Andrew. Tchau, nós assumimos agora”. É por isso que eu venho para
esses congressos, para inspirar, ensinar técnicas para que os jovens façam. Mas
não se pode começar com uma empreiteira. Para qualquer um de nós, repórteres
experientes, já é difícil. Ache uma coisa que você vá dar conta, mesmo que só
saia nos jornais locais. Assim você está aprendendo, vai ter sucessos e
fracassos. Comece pequeno porque você ainda não é grande. E, com sorte, você
vai ficar grande também.
Como identificar as boas pautas?
O Brasil tem pautas boas em qualquer lugar, porque
existe muita corrupção. O jornalista tem que desenvolver o faro. Está fedido
por aqui? Quem pagou por isso? Quem pagou por aquilo? Por que o prefeito está
com um novo carrão, se ele não ganha o suficiente para isso?
Então, seria basicamente seguir o
dinheiro?
Isso é um clichê, mas por que não? Use seus olhos,
procure pessoas boas dentro das organizações em quem você possa confiar e
descobrir coisas. Para depois você poder procurar documentos, corroborar e
transformar aquela pessoa em uma fonte.
Às vezes é melhor você ouvir uma
pessoa em off?
Sim, eu não quero as aspas, eu quero o documento.
Eu não quero mostrar um secretário, eu quero os arquivos. Para eles
dizerem: “Ricardo, olha essa merda no jornal!”. E a pessoa pode ir para casa
pensando: todos esses anos de bandidagem, e agora eu ajudei a desmascará-los e
eles não podem me rastrear.
Reorganizar a documentação para que não seja
possível identificar a fonte. Antes dos computadores, nós falaríamos para a
fonte fazer cópias dos documentos e deixar ao redor do escritório. Assim,
qualquer um poderia ter vazado, eles não olhariam para aquela pessoa.
E hoje em dia?
Dá para imprimir, tirar o cabeçalho, os carimbos de
escritórios, as datas. Só use a cabeça, pensando: eu estou tentando achar
formas para suprimir os jeitos de rastrear os documentos. Além de perguntar o
que preocupa a pessoa que se arriscou. Se ela achar melhor tirar uma parte do
documento porque isso vai apontar para ela, tire. Mesmo que seja uma parte
muito boa, você ainda terá o resto do documento. Converse com as pessoas, com
as fontes. Pergunte o que os preocupa e também o que é importante. Às vezes
você pode não perceber que um dado significa dinheiro indo para o primo de
alguém. Peça para eles te guiarem, te explicarem. Então escute, converse.
Quando estamos fazendo uma matéria
delicada como o Maracanã…
Não é uma questão delicada, é difícil. Porque as
pessoas querem saber o que aconteceu com o Maracanã. Você tem a população por
trás!
…você sente que está incomodando.
Eles que se fodam. Era o estádio do povo. Você sabe
o quanto ele estava enraizado na cultura carioca e o quanto ele importa para as
pessoas. Então quando você investiga, eles dizem “uau”.
É assim com toda a Copa do Mundo, não é? Mesmo com
a CBF sendo uma organização privada, o futebol é de interesse público, e o
dinheiro gasto vem dos impostos.
Texto: Giulia Afiune, Katryn Dias e Maria Clara
Modesto
O homem invisível
O
jornalista do Fantástico que não pode mostrar seu rosto
Se um dia
você encontrar com ele na rua, passará direto. Dono dos principais prêmios
dedicados à imprensa brasileira (Esso, Embratel, Libero Badaró, Direitos
Humanos de Jornalismo, entre outros), Eduardo Faustini é lembrado no Brasil
inteiro por suas reportagens no Fantástico, mas poucos conhecem seu rosto. Por medida de segurança, ele não pode
exibi-lo.
Na sede da
Rede Globo, onde trabalha, basta dar uma volta para ver como ele é querido por
seus colegas. Não há um que não pare para cumprimentá-lo. O reconhecimento é justo. Faustini é um
dos principais jornalistas do país e autor de grandes reportagens
investigativas na TV. Em uma das mais recentes, ele se passou por um gestor de
compras do Hospital de Pediatria da UFRJ e flagrou com suas câmeras escondidas
esquemas de propina e manipulação de resultados em licitações na área de saúde.
Seu objetivo, ele garante, “não é punir nem prender alguém, mas sim informar”.
A punição ele deixa com a polícia.
Faustini também já mostrou a
falta de preparo dos principais aeroportos brasileiros, ao despachar em uma
mala uma réplica de AR-15, um pacote de açúcar simulando cocaína e R$100 mil em
notas falsas. Não foi parado em nenhuma das viagens.
O jornalista recebe ameaças
diárias e não pode deixar a sede da emissora sem a presença de seus seguranças
que o acompanham 24h por dia. Quando faz uma grande reportagem, é obrigado a
sair do país por tempo indeterminado. Nessa entrevista, Faustini não conta
detalhes de sua vida pessoal, família e intimidade. É a sua vida que está em jogo.
Como você começou no jornalismo?
Chegou a cogitar outro curso?
Sempre
quis fazer jornalismo. Trabalhei em jornal, fiz um pouco de esporte. Estou há
18 anos no Fantástico, mas passei pelo SBT e Manchete também. Fiz o programa
Documento Especial, que tinha uma audiência muito grande. Lá era a notícia que
chamava a atenção, o repórter não mostrava seu rosto.
Como é o processo de criação de
suas matérias? Você que surge com uma ideia e faz uma pauta ou aceita sugestões
dos outros jornalistas?
Noventa
e nova por cento das pautas são minhas, eu mesmo que sugiro. Preciso acreditar
muito na minha pauta, mas quando geralmente a escolho é porque já pesquisei
bastante e sei como fazer. Recebo muitas sugestões por e-mail, redes sociais e
pelo denuncie.eduardofaustini@gmail.com.
Às vezes, uma pequena denúncia é um start
para algo maior. Gosto muito do que está no imaginário popular: todo mundo sabe
que existe, mas na TV é a primeira vez em que é mostrado. A força da imagem e
do vídeo é muito grande. Tudo o que eu
falo tenho que mostrar.
Quanto tempo você
gasta em cada uma de suas matérias? Você trabalha exclusivamente nela?
Em média, dois meses trabalhando exclusivamente em cada matéria.
O jornalismo investigativo demanda muito tempo e nem sempre traz resultados. Já
teve uma vez em que fiquei 12 horas num lugar para fazer uma imagem de 15
segundos.
Você tem preocupações sobre qual
roupa vestir em determinadas ocasiões, de acordo com a matéria?
Você
é o que você veste. O visual é muito importante. Preciso estar vestido de
acordo como que faço, com o ambiente frequentado.
Quais os “infiltrados” brasileiros
você admira?
Em revista são vários. Mas sei mais de TV, porque é o que
acompanho. Gosto do Giovani Grizotti, (RBS); do Tyndaro Menezes (Rede Globo),
que trabalha mais com os bastidores; do Rubens Valente (Folha de São Paulo); do
Amaury Ribeiro Jr (autor do livro “A privataria tucana”) e do Caco Barcellos
(Rede Globo).
Qual a diferença
entre o jornalismo investigativo e os demais tipos de profissionais dessa área?
O jornalista investigativo
nunca está satisfeito com a apuração. Ele não se conforma só com o quê, quem,
quando, onde, como e por quê. Ele quer mais. O jornalista investigativo não investiga para punir, nem
prender, mas para informar. Quem investiga para punir é a polícia. Não quero
saber se o ministro vai cair, se o dono da empresa vai ser preso...
A morte de Tim Lopes foi marcante.
A partir daí, surgiu uma nova forma de tratamento entre repórteres e
traficantes e um maior investimento em equipamentos de segurança. Desde então,
o que mudou efetivamente em seu trabalho e no jornalismo investigativo?
A
morte do Tim é um divisor. Ela jogou luz numa atividade que era feita na
sombra, de forma solitária. Algumas pessoas pensavam que esse tipo de
jornalismo estaria fadado ao fim. Mas aconteceu o contrário. O jornalismo
investigativo ganhou muita visibilidade e se fortaleceu. Surgiu a Abraji
(Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e a melhora nos
equipamentos de segurança. Contudo, essa visibilidade me preocupa. O repórter
não é artista, nem celebridade.
Você se sente incomodado em não poder receber pessoalmente seus prêmios?
Fico vaidoso e guardo todos os meus prêmios.
Já ganhei todos eles. Só não posso é buscar. Mas não faço matéria para ganhar
prêmio, nem acredito que alguém faça isso.
Não conhecer seu rosto dificulta o reconhecimento das pessoas ao seu
trabalho?
As pessoas não me conhecem, mas acompanham meu
trabalho e rezam por mim. É uma relação
de família. Elas me alimentam. Gosto muito desse retorno do publico.
Alguns
advogados (Bruno Silva Rodrigues e Diego Tebet da Cruz) escreveram um artigo
após sua mais recente matéria (em que atua como gestor da UFRJ e mostra as
fraudes nas licitações da saúde) dizendo que o que você faz não é
constitucional. Você tomou ciência desse material?
Pergunto a
serviço de quem eles fizeram isso. Não entro na questão jurídica, pois não sou
advogado. Faço isso (trabalho com câmera escondida e jornalismo investigativo) em TV há quase 30 anos e nunca fui processado.
Ao contrário: sou sempre escolhido como testemunha do Ministério Público e da
Polícia Federal. Pratico o jornalismo investigativo com responsabilidade
social. Durmo tranquilo, porque sei que estou fazendo a coisa certa. Eu faço
apenas, não coloco no ar. A direção aprova e coloca na TV.
No mesmo artigo, eles reclamam do uso da câmera
escondida...
A microcâmera
é meu último recurso. Sempre me pergunto se não é possível usar a câmera aberta.
Até porque elas costumam ser de péssima qualidade, você não sabe o que está
filmando. É como um voo cego. Em casa com a TV em HD, o telespectador sente a
diferença na qualidade das imagens.
Não dá um certo nervosismo quando você
faz essas matérias de denúncia? Como você lida com o medo?
Não é só o medo do perigo. É o medo de não dar
certo. Sem ele, você não tem parâmetro e coloca a equipe em risco. Mas o medo
geralmente eu só sinto depois, quando meu corpo reage e fico com febre. Na hora eu tenho que falar firme. Não sinto
fome, nem sede. Desenvolver esse domínio sobre o corpo é fundamental. Ninguém
fica nervoso no dia-a-dia. Se eu tremer
ou gaguejar, ponho tudo a perder. Sinto-me mais tranquilo fazendo uma matéria
do que sendo entrevistado.
De todas as suas reportagens, qual você sentiu mais medo?
Foi quando estive dentro do “caveirão” da
polícia. Senti muito medo. Seria a única matéria em que não faria de novo. Eram
12 homens dentro de um carro atirando, na mesma favela em que o Tim tinha sido
morto. Me senti como um patinho no parque.
Como você reage às ameaças que recebe?
Isso acontece em qualquer matéria. Já mando
entrar na fila para me matar. Não é deboche. As pessoas ligam aqui para a
redação e eu escuto aquele bando de besteiras.
Na maioria das vezes, é um desabafo. A própria família do acusado não
acredita e se sente no direito de me ameaçar ao telefone.
Em entrevista à Revista Trip você contou como é difícil a sua rotina e
de sua família fora do ambiente de trabalho. Você comenta em casa sobre as
matérias que está apurando?
Não comento com ninguém sobre minhas matérias.
Mas, pela chamada, minha família já sabe quando é o meu material. Antes meus
vizinhos me ligavam depois da reportagem ir ao ar, perguntando o porquê de
continuar fazendo aquilo. Mas não adianta: não consigo parar. É o meu vício.
Como é sua relação com sua família e
filhos? O que gosta de fazer nas horas de folga?Não tenho problemas com
minha família. Consigo acompanhar bem os meus filhos. Gosto de ir ao
restaurante com eles, de viajar, assistir os jogos do Vasco... Tento fazer da
minha casa um lugar aconchegante.
O jornalista Regis Rösing diz que você é Deus. Você é reverenciado por todos. Mas como você
se definiria, Eduardo Faustini por Eduardo Faustini?
Isso é uma brincadeira do Regis, que é meu
amigo. Sou um repórter com muitas limitações e sei mais do que ninguém delas. Mas
me dedico muito e sou um apaixonado pelo que faço. Não tenho privilégios, sou
como qualquer um na redação.
Há alguma nova matéria que você ainda gostaria de fazer?
Tenho o projeto de entrar com micro câmeras em
vários lugares, aonde ninguém desconfia. O maior castigo que Deus poderia me
dar é a doença de Parkinson. Aí não teria como eu realizar essas matérias...
Quais dicas você daria
para um repórter que quer se infiltrar?
Nenhuma faculdade forma jornalista investigativo. Isso é uma
coisa que se conquista no dia-a-dia. A primeira coisa é você gostar do que faz. Pensar se gostaria de
estar naquele lugar e naquelas condições. O jornalismo é um trabalho de risco,
sem glamour. O Brasil tem uma grande quantidade de jornalistas mortos. Depois,
é necessário se dedicar, procurar equipamentos e conhecimento. Hoje as pessoas têm seu espaço mesmo sem
aparecer no vídeo. Nenhuma matéria vale
uma vida, mas você não pode deixar de ter um risco calculado.
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